domingo, 9 de janeiro de 2011

Porto Alegre




Herrmann Wendroth: Vista de Porto Alegre a partir das ilhas do Guaíba, c. 1852
A história de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, noBrasil, inicia oficialmente em 26 de março de 1772, quando o povoado primitivo foi elevado à condição de freguesia, mas na verdade suas origens são mais antigas, tendo nascido em função da colonização da área por estancieiros portugueses desde o século XVII. A região, contudo, foi habitada pelo homem desde 11 mil anos atrás. Ao longo do século XIX iniciou seu crescimento, tendo os portugueses contado com o auxílio de muitos imigrantes europeus de várias origens, mais osescravos africanos e porções de hispânicos do Prata. Entrando no século XX sua expansão adquiriu um ritmo muito acelerado, num processo que consolidou sua primazia entre todas as cidades do Rio Grande do Sul, e a projetou no cenário nacional. Então se definiram seus traços mais característicos, apenas esboçados no século anterior, muitos dos quais permanecem visíveis até hoje mormente no seu centro histórico. Ao longo de todo o século XX a cidade se empenhou em ampliar organizadamente sua malha urbana e provê-la dos necessários serviços, obtendo significativo sucesso mas enfrentando também várias dificuldades, ao mesmo tempo em que desenvolvia expressiva cultura própria, que chegou em alguns momentos a influir em todo o Brasil em vários campos, desde a política até as artes plásticas. Hoje Porto Alegre é uma das maiores capitais do Brasil, e uma das mais ricas e de melhor qualidade de vida, tendo inclusive recebido várias distinções internacionais. Abriga muitos eventos importantes e tem sido apontada várias vezes como um modelo de administração para outras grandes cidades.



Vista sul de Porto Alegre em c. 1852. Aquarela de Herrmann Wendroth.
Porto Alegre nasceu em virtude da ocupação do Rio Grande do Sul por estancieiros e sesmeiros portugueses no século XVIII, quando este território ainda pertencia legalmente à Coroa Espanhola. A povoação cresceria debruçada em torno de um ancoradouro natural no lago Guaíba, um vasto espelho d'água resultado da desembocadura de quatro grandes rios, que define muito da geografia do local, também protegida ao leste e sul por uma suave cadeia de colinas, e definiria igualmente muitas soluções arquitetônicas e urbanísticas da povoação. O lago, poucos quilômetros ao sul, se abre para a lagoa dos Patos, que tem comunicação com o mar em Rio Grande, dificultosa para os navios, mas bastante procurada, por ser o único porto e acesso marítimo para o interior em uma grande extensão litorânea que vai de Santa Catarina até o rio da Prata. Com esta conformação hidrográfica e esta importância estratégica, em breve se tornaria sede administrativa de grande relevo na geopolítica do sul do continente, florescente entreposto comercial, e movimentado porto fluvial para navios decalado pequeno e médio vindos do mar através da lagoa dos Patos, recebendo mercadorias e pessoas e até milícias e colonos que depois se distribuíam por vasta região em torno, tanto por terra como subindo os vários rios importantes que ali desembocam, estabelecendo contatos com a região das Missões, Paraguai, Argentina e Uruguai, espanhóis, mais São Paulo e Rio de Janeiro, portugueses. Era verdadeiro ponto de encontro de culturas, e sua geografia é parte importante de sua identidade cultural até a contemporaneidade.1 2 3

Solar Lopo Gonçalves, raríssimo sobrevivente da tipologia do solar rural, hoje envolto pela malha urbana.

A antiga Matriz e o Palácio de Barro, os dois primeiros edifícios importantes da cidade. Aquarela de Herrmann Wendroth, c. 1851.
Em 7 de dezembro de 1744, Jerônimo de Ornellas recebeu, por Carta Régia, a posse de terras que ocupava desde 1732 para criação de gado, em torno do ancoradouro no Guaíba conhecido na época como Porto de Viamão. Viamão, de fato, se localizava a alguns quilômetros ao leste. Consolidando uma série de iniciativas antes esparsas de ocupação do estado, a partir de 1752 começaram a chegar famílias de imigrantesaçorianos enviados pelo governo português, dando origem ao centro histórico da futura Porto Alegre, e também a alguns conflitos com o primeiro sesmeiro, Ornellas. A área foi então desapropriada e disponibilizada legalmente para os colonos já assentados, mas a partilha e entrega efetiva dos lotes individuais só aconteceria em 1772. Em 1760 toda uma grande região em torno, que ia desde a Depressão Central, o nordeste e todo o litoral, já ocupada de facto pelos portugueses, foi organizada na Capitania do Rio Grande de São PedroPovos nativos que viviam na área foram paulatinamente afastados ou exterminados.1 2
Em 1772 o povoado foi elevado à condição de freguesia, posta sob a proteção de São Francisco das Chagas e denominada oficialmente Freguesia de São Francisco do Porto dos Casais, em alusão aos casais açorianos seus fundadores, desvinculando-o da vila de Viamão, então sede da Capitania.1 3 Já se começava a pensar em organizar a futura malha urbana. O governador José Marcelino de Figueiredo ordenou, então, ao capitão de engenharia e cartógrafo Alexandre José Montanha, que traçasse uma planta.1 Ele organizou o traçado em torno do Alto da Praia, colina junto à beira do lago de onde se tem uma visão desimpedida de todo o entorno, embrião da Praça da Matriz, núcleo vital do povoado que concentraria suas principais edificações públicas e, em seguida, atrairia a elite para morar.4 5
Nesses primeiros anos, o que se construiu foi naturalmente muito modesto e as edificações se resumiam a pequenas habitações de barro cobertas de palha espalhadas irregularmente à beira do Guaíba. O primeiro logradouro público a surgir foi um cemitério, junto ao lago, mas logo transferido para o Alto da Praia. A freguesia se tornou capital em 1773 apesar de nem ser ainda uma vilaoficialmente (isso só ocorreria em 1809, com instalação efetivada em 1810). A razão da transferência do polo político para lá, povoado ainda tão inexpressivo, se deve, ao que consta, à sua feliz situação geográfica.1 3 Com isso surgiram novas necessidades de infraestrutura. Entre elas, providenciou-se à construção do chamado "Palácio de Barro", primeiro edifício importante da pequena urbe, erguido em 1773 a mando do governador com projeto de Montanha, destinado a receber a administração geral da Capitania. O prédio ficou pronto em 1789 e foi usado até 1896, quando foi demolido. Tratava-se de um palacete de dois pisos principais e uma água-furtada, com organização simétrica - uma porta central com quatro janelas de cada lado. Acima, uma fileira de janelas, e um telhado de quatro águas como cobertura. As aberturas tinham arco abatido, típico do Barroco colonial, sendo que as superiores recebiam uma cornija ornamental, também em curva.6 3

Fotografia da antiga Matriz em 1900, ainda em sua configuração original. Ao seu lado, a capela da irmandade do Império do Espírito Santo, uma das primeiras manifestações do estilo neogótico na cidade.

Interior da antiga Matriz.
Igreja de Nossa Senhora da Conceição

Athayde d'Avila: Rua da Praia, c. 1880. Imagem do centro da cidade no fim do século XIX, ainda com presença maciça de casario colonial.
Ao crescer e enricar, melhorava também a qualidade da construção civil, deixando-se o provisório para adotar-se o estilo típico colonial comum a todo o Brasil, herança portuguesa, mais permanente, volumoso, complexo e ornamental, e que se descreve esteticamente como uma derivação do Barroco.4 3 Também é frequentemente citada uma ligação especial com a versão açoriana deste Barroco, já que as primeiras levas de colonos procediam dos Açores, que desenvolvera rica tradição arquitetônica, embora essa herança seja controversa.3
Entretanto, o projeto mais ambicioso desse início de povoamento foi a Igreja Matriz, cuja construção foi ordenada na provisão eclesiástica que criou a freguesia. As obras começaram em 1780, a partir de um desenho enviado pronto pela Arquidiocese do Rio de Janeiro, e cuja autoria é desconhecida. Seu traçado era de um Barroco tardio, ouRococó, muito simples, quase sem qualquer ornamento externo. Seu elemento mais característico era o delicado ondulado de seu frontão, de resto seguia o plano funcional da igreja Católica durante a colônia: uma fachada de dois pisos em esquema tripartido, com aberturas decoradas, com um frontão ornamental e duas torres laterais para os sinos. Por dentro, como foi a praxe colonial, era mais luxuosa, com um vestíbulo sob ocoro, uma nave, uma capela-mor decorados com talha em madeira, com um retábulocenográfico ao fundo, altares secundários em nichos laterais e estatuária. A primeira Matriz de Porto Alegre não foi excepcionalmente rica, mas tinha uma decoração interna bastante significativa em um estilo Rococó flamejante e vigoroso, similar ao que ainda hoje podemos ver na Matriz de Viamão.4 Sua construção se arrastou por muitos anos, e mesmo sem estar totalmente pronta, já precisava de restauros, como se percebe numa ordem do Conde de Caxias em 1846 mandando terminar a torre esquerda, rebocar o externo e consertar o telhado que já se estava arruinando.7 Da mesma época e erguida no mesmo sítio é a Casa da Junta, datada de 1790, em estilo muito próximo do Palácio de Barro, mas de menores dimensões. É o mais antigo edifício da cidade ainda existente, e serviu como sede da Assembléia Legislativa e da Junta de Administração e Arrecadação da Fazenda. Seu aspecto atual não é inteiramente original, tendo sido remodelado no século XIX.1
A herança do estilo colonial se manteve forte na cidade até fins do século XIX, especialmente na arquitetura popular, muito austera, com ornamentos resumidos a um gradil de ferro trabalhado nas aberturas do piso superior, transformadas em portas, e mais raramente um revestimento de azulejos na fachada. Pelas necessidades impostas pelo modelo urbano da época, em parte por questões de segurança e facilidade de defesa numa época de constantes conflitos militares, as fachadas ficavam pegadas umas às outras, construídas sobre o alinhamento das vias públicas, com paredes laterais sobre os limites dos terrenos, deixando-se quintais para os fundos. As habitações podiam ser de um ou dois pisos e, erguidas sobre terrenos longos e estreitos, seus aposentos se distribuíam em fila, na maioria mal ventilados e mal iluminados, alguns sem qualquer abertura para o exterior, as chamadas alcovas. Nas extremidades da fila se abriam dois aposentos maiores, uma sala de visitas à frente e uma sala multiuso ao fundo, servido de cozinha, comedor e área de serviço. Seu material era o adobe ou o tijolo, com cobertura de telhas que acabavam por vezes em beirais curvos. Levavam um reboco e caiação por fora, e as aberturas tinham moldura aparente em madeira. Um dos exemplares mais antigos que chegou aos dias de hoje desse gênero urbano de residência é a Casa Ferreira de Azevedo, porém em estado ruinoso, tombada pelo Município mas abandonada pelos proprietários.3 8
A elite, por sua vez, construía casas bem mais amplas e decoradas interiormente com crescente luxo, às vezes dispondo de extensos jardins e edificações secundárias, como o Solar dos Câmara, a mais antiga construção residencial da cidade ainda de pé, hoje transformado em centro cultural. Foi construído pelo Visconde de São Leopoldo entre 1818 e 1824, sendo bastante reformado em 1874.9 Nos arrabaldes e na zona rural permanecia como gênero mais importante o solar, concebido como mera casa de campo de uso eventual ou como sede de uma unidade produtiva mais ou menos auto-suficiente. Geralmente constituía um conjunto arquitetônico composto de uma casa senhorial cercada de benfeitorias, como paióis, senzala e depósitos. É um bom exemplo o Solar Lopo Gonçalves, construído provavelmente entre 1845 e 1855, ainda em excelentes condições, e hoje sede doMuseu Joaquim Felizardo.1 10
No campo religioso, é importante a Igreja das Dores, de 1807, a mais antiga de Porto Alegre ainda sobrevivente e declarada Patrimônio Nacional pelo IPHAN. Embora sua projetada fachada colonial tenha sido modificada no início do século XX, seu interior está praticamente intacto, e exibe uma rica talha dourada. Uma década mais tarde seria lançada a pedra fundamental da Igreja do Rosário, também em estilo Barroco colonial, demolida em 1951 entre grande controvérsia. Da mesma estética era a Capela Senhor dos Passos, remodelada como edifício Neogótico em 1909. Em 1851 foi dado início à Igreja da Conceição, traçada e decorada por João do Couto Silva, a única igreja em estilo colonial que se conservou toda em seu estado primitivo. Na sua talha, muito rica, se notam também traços neoclássicos. Em todas sobrevive importante estatuária.11