domingo, 9 de janeiro de 2011

Décadas de 1960 e 1970


Os anos 60 iniciaram com Loureiro da Silva obtendo novamente a prefeitura com o propósito de saneá-la financeiramente. Fez também grandes investimentos em obras, concluindo o calçamento de 150 ruas, construindo 18 praças públicas e obtendo, junto ao governo de Jânio Quadros, os recursos necessários para o saneamento da bacia do Arroio Dilúvio e para a pavimentação da Avenida Ipiranga. Na área de educação, inaugurou 85 novos prédios escolares e deixou em andamento outros 27. Entretanto, a confusa situação política brasileira se refletia dramaticamente na cidade também. Com a renúncia de Jânio em 25 de agosto de 1961, Brizola, agora governador, iniciou a articulação do movimento da Legalidade, em acordo com várias lideranças políticas, sindicais e estudantis. Iniciando uma passeata a partir da Prefeitura, no curto trajeto desta até o Palácio Piratini já se haviam reunido 5 mil pessoas. No dia 27 aconteceu a intervenção militar na Rádio Gaúcha, silenciando-a. De imediato Brizola requisitou a Rádio Guaíba e iniciou uma rede radiofônica pela Legalidade. No dia seguinte foi autorizado o bombardeio do Palácio e foi enviada uma força naval para intervir no estado. Então novas manifestações populares de apoio ao movimento, que contaram com o aval da Igreja Católica e do próprio comando do III Exército, aconteceram em frente ao Palácio, que a esta altura estava cercado de barricadas. O bombardeio acabou sendo abortado pela desobediência dos soldados encarregados de fazê-lo.

Nesta época o movimento de tradicionalismo gauchesco, fundado em Porto Alegre, começou a sua disseminação a partir da capital. Apareceram Barbosa Lessa e Paixão Cortes figuras de proa nesse processo, iniciando uma série de pesquisas antropológicas quando essa ciência mal era reconhecida no estado. Sua busca, porém, estava em sua origem mais ligada a um desejo de reconstrução histórica do que de interpretação, e paradoxalmente iniciou no ambiente urbano. Em 24 de abril de 1948 aqueles folcloristas, junto com um grupo de jovens estudantes, fundaram em Porto Alegre oCentro de Tradições Gaúchas 35. Ali tomavam mate e imitavam os hábitos do interior, entre eles o da charla (conversa) que os peões entretêm nos galpões das estâncias. Barbosa Lessa recorda que
"não se tinha muita pretensão de revolucionar o mundo, embora nós não concordássemos com aquele tipo de civilização que nos era imposto de todas as formas (…) não pretendíamos escrever sobre o gaúcho ou sobre o galpão: desde o primeiro momento, encarnamos em nós mesmos a figura do gaúcho, vestindo e falando à moda galponeira, e nos sentíamos donos do mundo quando nos reuníamos, sábado à tarde, em torno do fogo-de-chão".
Desde lá o movimento tradicionalista foi lentamente ganhado visibilidade e se constituindo num verdadeiro estilo de vida para muitas pessoas mesmo nos núcleos urbanos. Nos anos 60 apareceram artigos e palestras sobre o assunto, e também a figura de Teixeirinha, um fenômeno de popularidade. Em 1971 se realizou a primeira Califórnia da Canção Nativa, que se ramificou em centenas de outros festivais similares pelo estado, onde aspectos da música pop também foram assimilados. Esses festivais deram espaço para expressões politicamente engajadas que levaram a uma integração entre regionalismos campeiros de vários países do Cone Sul, cujas histórias tiveram muitos pontos de contato. A partir da década de 1980, enfim, o ritmo desse processo cresceu enormemente, a ponto de ganhar respaldo da cultura oficial, atrair simpatizantes de outras origens culturais além da campeira como os alemães e italianos, e inspirar a criação de centenas de CTGs, além das fronteiras estaduais, até no exterior.

Palácio Piratini

Centro Administrativo do Estado, com uma escultura de Carlos Tenius em primeiro plano representando a colonização açoriana
Paralelamente, a vida boêmia de Porto Alegre nesta época já se caracterizava por um forte colorido político e cultural, reunindo expressivo grupo de intelectuais e produtores artísticos influentes, alinhados ao Existencialismo e ao Comunismo. Entre o fim da década anterior e os anos que precederam o golpe militar de 64, eram montadas peças teatrais de vanguarda, em abordagens polêmicas e desafiadoras dostatus quo; as artes plásticas mostravam uma arte realista/expressionista de cunho social, que por vezes adquiria um tom panfletário - destacando-se a atuação de grandes artistas como Francisco Stockinger,Vasco Prado e Iberê Camargo - e a Livraria Vitória se tornava a maior arena de discussão filosófica e política. Quanto ao golpe, Porto Alegre foi o palco de importantes movimentos políticos que levaram à sua concretização, comandados pelo então governador Ildo Meneghetti a partir do Piratini. Novamente o povo se manifestou, exibindo-se em vários comícios e passeatas, tanto pró como contra o golpe, às vezes enfrentando a repressão daBrigada Militar, ocorrendo centenas de prisões. Assegurado o sucesso do golpe, logo o novo governo iniciou um programa de censura sistemática a todas as expressões contrárias. Políticos foram cassados, os sindicatos fechados, jornais foram interditados e até mesmo na UFRGS se verificaram vários expurgos de professores. Ao mesmo tempo as perseguições se estendiam à esfera religiosa, com a repressão dos cultos afro.
Com os sucessores de Loureiro da Silva a verticalização da urbe se acelerou e se construíram diversos novos conjuntos industriais, além de extensos conjuntos habitacionais financiados peloBanco Nacional da Habitação. Thompson Flores fez um governo caracterizado por grandes obras, em especial na área dos transportes, favorecido pelo surto econômico do Milagre Brasileiro, quando o PIB do país ascendia numa média vertiginosa de 11,2% ao ano.[2] Desativou o bonde e incentivou o transporte automotivo. Construiu seis grandes viadutos, mas a abordagem tecnicista de alguns projetos desconsiderou aspectos elementares de paisagismo urbano - veja-se o caso paradigmático da destruição do entorno e da perspectiva do Edifício Ely com a construção da Elevada da Conceição, uma intervenção viária dramática em pleno centro histórico. Nesse afã progressista desapareceram inúmeros edifícios antigos, alguns de grande importância. Durante sua gestão também ocorreram a inauguração do Parque Moinhos de Vento, da nova Estação Rodoviária, a abertura do bairro Restinga e a construção do Muro da Mauá, entre a avenida Mauá e o Cais do Porto, obra destinada a evitar enchentes, mas que até hoje tem sua utilidade contestada, além de ser acusada de impedir o acesso da população à orla do Guaíba. Mesmo assim foi homenageado pouco antes de morrer com a Medalha do Mérito Urbanístico. Teve de enfrentar o primeiro protesto público de natureza ecológica em Porto Alegre, que repercutiu nacionalmente e as primeiras mobilizações da sociedade em defesa do patrimônio histórico, por ocasião da ameaça de demolição do Mercado Público.
Esse período foi marcado pela crescente insatisfação com a situação política do Brasil. A ditadura militar recrudescia, reprimindo com bombas de fumaça e tropas de choque as greves e os vários protestos locais contra o regime, e a censura continuava em pleno vigor. Nesse ambiente rigorosamente controlado a vida intelectual independente sobrevivia em guetos. Um deles foi a conhecida "Esquina Maldita", o cruzamento das avenidas Oswaldo Aranha e Sarmento Leite, no bairro Bom Fim, diante do campus central da UFRGS. De acordo com Nicole dos Reis, foi
Cquote1.svgum ponto de discussão das questões políticas locais e nacionais pelos intelectuais e artistas da época. Era um surgimento de um espaço de contestação em um bairro, o Bom Fim, que é citado (…) como o principal ponto de sociabilidade dos componentes desta rede social.Cquote2.svg
Juremir Machado da Silva complementa, reforçando sua importância, dizendo que ela foi um espaço em que
Cquote1.svgintensificou-se as lutas pela emancipação da mulher, fortaleceu-se o respeito pelos homossexuais, combateu-se o machismo, viveram-se radicalmente os sonhos das relações abertas e da liberdade sexual. Ou seja, partiu-se para a defesa das diferenças. Pela esquina maldita, Porto Alegre mergulhou na pluralidade cotidiana, caminhou em direção ao direito à singularidade e aprofundou-se no exame e na recusa do conservadorismo moral.Cquote2.svg

Socias Villela, que sucedeu Thompson Flores, governou até a fase de afrouxamento da ditadura e início de redemocratização. Ele introduziu uma nota nova na administração municipal valorizando a questão do meio ambiente e o convívio social. Em suas duas gestões foram inaugurados o Parque Marinha do Brasil, o Parque Maurício Sirotski Sobrinho, o Parque Vinte de Maio e o Parque Mascarenhas de Moraes, além de 35 novas praças e ampliações no Parque Moinhos de Vento e no Parque Farroupilha, totalizando o plantio de 1,15 milhão de árvores em oito anos de governo. Criou o Brique da Redenção, o Centro Municipal de Cultura e a primeira Secretaria Municipal do Meio Ambiente, pioneira no Brasil. Foi o autor da Lei do Impacto Ambiental, que dispõe sobre a prevenção e o controle da poluição no município. Em seu mandato foi referendado o novo Plano Diretor em 1979, onde os princípios modernistas continuavam em geral válidos num desdobramento da Carta de Atenas, embora algumas inovações fossem introduzidas, tais como uma inspiração no modelo das superquadras empregado em Brasília e uma maior participação da comunidade nas decisões através de Conselhos Municipais. A fisionomia da cidade, porém, empobreceu, pois a qualidade geral das novas edificações decaiu e não pôde ocupar o lugar icônico de tantos prédios históricos valiosos que haviam sido destruídos.